segunda-feira, 25 de julho de 2011

Se um dia eu pudesse voar...


As tendências mais atuais da Educação Física Escolar estão voltadas para a reflexão a respeito do patrimônio corporal construído e reconstruído pela sociedade. Tais patrimônios atravessam manifestações em jogos, esportes, danças, lutas, ginásticas e brincadeiras. Nesse sentido, todas as práticas corporais com lastro social são de interesse das aulas de Educação Física. Já não mais existem conteúdos ou práticas imprescindíveis para os alunos, ao passo que a compreensão e reflexão sobre os sentidos e significados das atividades desenvolvidas são o centro do processo pedagógico, acompanhando o projeto da escola.

Passada essa explicação conceitual e formal demais, que "prepara o terreno" para o que vem a seguir, exponho o trabalho que foi desenvolvido nas aulas de Educação Física com as terceiras e quartas séries e os terceiros anos, com o Tema "Brincadeiras". O que segue não é uma narrativa com pretensões teóricas ou teorizantes, mas sim um relato mais informal de um professor novato que se surpreende cada vez mais com seus alunos.

A idéia era trabalhar, durante o mês de Junho, com confecção de pipas, aproveitando o período propício para empiná-las, segundo orientações de alguns meninos. Começamos, então, apresentando o papel de seda e as varetas de bambu, já que muitos deles, apesar de serem exímios “empinadores” só conheciam as pipas prontas das papelarias. O empenho na construção do brinquedo foi grande e a maioria queria aprender a cortar um quadrado perfeito, passar cola só o suficiente, deixar um espaço para dobrar o papel de seda, envergar a vareta e ficar com medo de ela quebrar. E quando quebrava, eles queriam fazer de novo. Depois um ensinava o outro a cortar a sacola de plástico do mercado para fazer tirinhas e amarrar na linha para fazer a rabiola e, por último, o tão necessário estirante. E conste que isso durou não menos que 5 aulas.

Eles e elas não viam a hora de colocar a pipa no céu e, quando conseguiam, fizeram festa. Há aqueles grupos que não se entenderam muito bem ou não tiveram a habilidade necessária para confeccionar a sua. Mas isso não foi um problema, pois os grupos que colocaram sua pipa no céu aceitaram compartilhar a linha.

O professor também aprende muito: alguém se lembra da linha chilena? Que as linhas se vendem em “tubos” e em jardas? Que linha sem cortante é linha “pura”? Quantos dedos tem que deixar para amarrar o estirante? O que é uma raia-de-puxa, um maranhão, um peixinho? E os comandos para controlar a pipa? Descarregar a linha, “debicar”... Porém chega uma hora em que somos desafiados de igual para igual: varetas de bambu custam R$ 0,15 cada. Uma folha de papel de seda sai por R$ 0,20. Além disso, precisa-se de cola e, eventualmente, fita adesiva. Para fazer uma pipa peixinho gastamos, se nada der errado, pelo menos R$ 0,50 para um serviço não profissional. Agora, adivinha quanto custa um peixinho todo elegante e com vareta de fibra: R$ 0,50. Vários alunos disseram que nas aulas seguintes iram trazer pipas feitas e compradas.

Acredito que, apesar desse balde de água fria, percebi que a experiência foi das mais significativas em relação à confecção do artefato que voa. “Aprendi a fazer, e é legal! Mas é tão mais fácil comprar um!”. E dialeticamente, aula após aula, as crianças foram compreendendo, ainda que superficialmente, algo sobre os processos de produção das coisas e a relação com o trabalho. Quem sabe esse não é um passo para falar sobre o fetichismo das mercadorias? Enxergo sofisticação na Educação Física! E o que fica é a seguinte questão: é papel do professor incentivar seus alunos a fazer seus próprios brinquedos, mesmo sendo mais trabalhoso e até mais caro?

Um comentário:

Cristina Chabes disse...

Olá Márcio, parabéns pelo trabalho e pela postagem.
Que legal essa experiência. Meu marido adorava fazer a pipa junto com meus filhos durante as férias escolares. Foi um tempo muito bom.
Seus alunos jamais esquecerão destas aulas.
Agora que inaugurou o blog não deixe seus trabalhos guardados na gaveta, publique-os e indique a seus alunos e amigos.
Cris Chabes